Raif Badawi: o blogger que “chicoteou” a Arábia Saudita
Dois dias depois do atentado à redação da publicação francesa Charlie Hebdo, um outro homem pagou um preço elevado por expressar o seu direito à liberdade de expressão, mesmo estando a milhares de quilómetros de distância. Raif Badawi, de 31 anos, recebeu as primeiras 50 de 1000 vergastadas. O crime que cometeu? Questionar questões religiosas através do blog Rede Liberal Saudita.
Há já muito tempo que Raif Badawi sabia que as suas palavras eram tão fortes como perigosas. Detido pela primeira vez em 2008, foi submetido a interrogação pelo tipo de conteúdos que publicava na Internet. Ainda assim, acabou por ser libertado no dia seguinte e o susto não o calou. Servindo-se do blog Rede Liberal Saudita, continuou a dar voz às suas opiniões sobre assuntos como política e religião.
Entretanto, o Governo saudita manteve-se atento à atividade do blogger e em 2009 voltou a aplicar represálias. Desta vez, o blogger foi proibido de deixar a Arábia Saudita e viu a sua conta bancária congelada. A crise chegou mesmo a alastrar-se ao casamento de Badawi. Casado desde 2002 com Ensaf Haidar, de quem tem três filhos, Raif Badawi teve de confrontar a família da mulher que exigia a anulação do matrimónio.
Eis então que no dia 17 de junho de 2012 o Governo saudita decidiu que Raif tinha ido longe demais. Acusado de insultar o Islamismo através de posts consecutivos no blog, o blogger foi detido pelas autoridades. De acordo com a Human Rights Watch, Raif Badawi terá criticado várias figuras religiosas, defendido a separação de poderes e equiparado a universidade Imam Muhammad ibn Saud Islamic a um “covil de terroristas”.
Em dezembro de 2012, Raif Badawi foi então julgado pelas acusações que lhe foram feitas e condenado por apostasia – renúncia dos valores impostos pela Arábia Saudita. No entanto, a sentença estipulava 7 anos de prisão e 600 chicotadas por Raif Badawi ter criado um fórum que “viola os valores Islâmicos e propaga o pensamento liberal”.
Após recorrer o julgamento, Raif Badawi foi então condenado, no dia 7 de maio de 2014, a 10 anos de prisão e 1000 chicotadas, assim como ao pagamento de uma multa de 1 milhão de riyal (equivalente a 267 mil dólares). O acesso aos media ficou também vedado a Raif Badawi.
E voltamos então à primeira parte deste post: dia 9 de janeiro de 2015. Enquanto na Europa se vivem dias de apreensão, no seguimento do maior atentado terrorista desde julho de 2005, em Londres, na Arábia Saudita Raif Badawi é apresentado perante centenas de espectadores numa mesquita, onde recebe as primeiras 50 vergastadas da sua punição. Raif Badawi terá ficado em estado grave após a primeira sessão, tendo sido até necessário adiar as sessões seguintes do castigo.
Entretanto, a esposa e filhos de Raif Badawi refugiaram-se em asilo no Québec, Canadá mas a mesma sorte não teve o cunhado e também advogado de Raif, Walid Abulkhair, que foi igualmente preso por defender o blogger contra as acusações de apostasia.
Mas, afinal, o que é que Raif Badawi escreveu?
Embora o caso só se tenha tornado popular recentemente, a verdade é que a má relação entre o Badawi e o Estado saudita durava já há vários anos. Em agosto de 2010, por exemplo, o blogger utilizou a sua página para escrever o seguinte: “mal um pensador começa a mostrar as suas ideias, surgem milhares de fatwas [leis religiosas] que o acusam de ser infiel porque teve coragem de discutir assuntos sagrados”.
A Arábia Saudita é um dos países onde o fundamentalismo islâmico é mais acentuado. Em 2014, a perseguição religiosa ganhou novas dimensões quando foi decretado que qualquer pessoa que transportasse uma Bíblia estaria sujeita a ser condenada a pena de morte.
Contra tudo e contra todos, Raif Badawi manteve a sua opinião, mesmo sobre os assuntos mais polémicos. O blogger defendeu o secularismo e criticou fortemente a inexistência de uma separação entre os poderes políticos e religiosos. “Estados que se baseiam na religião confinam os seus cidadãos a um círculo de fé e medo”, salientou.
Atento ao mundo que o rodeia, Badawi não escreveu apenas sobre assuntos internos. Na altura do início Primavera Árabe e dos protestos na Praça Tahrir contra o regime de Hosni Mubarak, o blogger deixou a sua mensagem de apoio para com os “estudantes e marginalizados” que iniciaram a revolução egípcia. “É um ponto de viragem decisivo, não só para o Egito, como para todos os países governados pela ditadura árabe”.
Em maio de 2012, pouco tempo antes de ser preso, deixou a mensagem de que é necessário clarificar o tipo de regime saudita e mudar o rumo da nação para que o país possa progredir. “Nenhuma religião tem uma conexão com o desenvolvimento cívico da humanidade”, afirmou, salientando que “dificilmente a regulação do tráfico, uma lei laboral ou o código governamental podem derivar da religião”, seja ela qual for.
Reação internacional
O caso chamou a atenção da comunidade internacional já sensibilizada para as questões da liberdade religiosa. O facto de o acontecimento ter ocorrido mais ou menos na mesma altura em que se deu o ataque à redação do Charlie Hebdo fez com que o assunto fosse discutido nos noticiários de grande parte dos países.
Nas redes sociais, surgiram cartoons e criticas ao facto da Arábia Saudita se ter feito representar na marcha pelas vítimas do atentado. “É especialmente hipócrita que os mesmos representantes que condenaram os atos de violência em Paris condenem um cidadão por expressar livremente a sua opinião”, escreveu o Los Angeles Times, uma das muitas publicações que deram voz ao acontecimento.
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